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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

OMC: Uma Nova Arena Política

Este é um texto que escrevi para o Jornal "Folha da História" há uns 5 Anos atrás. Mas acho que mantém uma certa atualidade. Boa Informação!

A OMC: Uma Nova Arena Política

No discurso dos palestrantes do segundo Fórum Social Mundial, aqueles que representam a resistência à Globalização excludente através da militância em ONG’s e Movimentos Sociais, uma questão foi reincidente, no que tange ao foco das decisões com relação à política internacional: cada vez mais ela passa, diretamente pelo crivo da OMC – Organização Internacional do Comércio. Embora, aparentemente se trate de uma instância de decisões meramente econômicas, os acordos aí firmados servem de matriz para as atitudes que os governos nacionais – tanto os ricos quanto os pobres – irão tomar na próxima década com relação a temas que afetam diretamente a vida dos povos: o Comércio Mundial, a liberdade de Comunicação, a Produção Científica, o Equilíbrio Ambiental, a Soberania Alimentar, as Dívidas Externas, etc.
Este pequeno artigo tem o objetivo de polemizar algumas questões referentes à política desenvolvida no seio dessa nova organização, com relação à Fome no Mundo, à Soberania Alimentar dos Povos e ao Direito de Patentes, temas estes interligados. A intenção é a de contribuir para a o debate de assuntos tão relevantes e que estarão no centro da discussão relacionada à soberania das Nações e, de forma mais genérica, ao novo desenho político e econômico que o mundo assume nesse início de século. A polêmica aqui estabelecida, passa pelas indagações que estiveram em pauta no Fórum Social, que se configuram na fonte discursiva deste texto.

Antecedentes à OMC

Logo após a Crise de 1929, diversas nações se viram forçadas a estabelecer barreiras comerciais protetoras; criaram restrições quantitativas às importações e exportações e severos controles de câmbio. No entanto, em um esforço multinacional para retomar o comércio internacional antes da depressão, foram gestados, pela Conferência de Bretton Woods, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Estava prevista, a criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), cuja finalidade seria a de reduzir obstáculos ao intercâmbio comercial, elaborando códigos de normas comerciais, ajustes para tarifas de cartéis internacionais de produtos primários, se transformando em um instrumento internacional de ação no desenvolvimento das trocas (Ratti, 1997, p.416/417).
As primeiras negociações para a implantação de uma Instituição internacional, ocorreram em Genebra, no ano de 1947. Um Comitê Preliminar preparava a Carta da OIC a fim de estabelecer Concessões Aduaneiras, que resultaram em um acordo Multilateral de Comércio, conhecido como Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade – GATT), que entrou em vigor no dia primeiro de janeiro de 1948. Já em 1950, tornou-se óbvio que a carta não poderia ser aceita por muitos países, como os EUA, que através da Carta de Havana, se recusaram a ratificar o documento, posto que tal ameaçava suas Reservas de Mercado (Ratti, 1997, p.417).
O GATT, apesar dos protestos e, antes da criação da OMC, passou a ser o único instrumento norteador do comércio internacional, não se constituindo propriamente em um organismo, mas em um Acordo, do qual faziam parte Partes Contratantes (países interessados). Circunstancialmente, os participantes promoviam negociações multilaterais, as “rodadas” ou “rounds”, nos quais estabeleciam reduções tarifárias e discutiam outros assuntos relacionados a trocas internacionais. Um dos objetivos expressos do acordo era o de eliminar o tratamento discriminatório no comércio internacional, não proibindo a formação de Blocos Econômicos (eventualmente até incentivados), cujo objetivo fosse a remoção de tarifas e outras barreiras ao comércio entre os países participantes formando Zonas de Livre Comércio (Ratti, 1997, p.417/418).
A rodada mais recente de discussões ocorreu no Uruguai, a partir de 1986 e pode ser considerada a mais ambiciosa das negociações multilaterais desenvolvidas até então, incorporando todo o comércio de bens e temas novos, envolvendo cifras multimilionárias. Basicamente, em termos gerais, o cenário mundial nos anos 80 já parecia afigurar uma redução brutal das tarifas aduaneiras de produtos industriais (de 40% nos anos 50, para 4,7%, em média). Mas o grande tropeço, ocorreu na área agrícola (e têxteis, ao prazo de dez anos), afetando diretamente os países em desenvolvimento que ficavam praticamente impedidos de subvencionar suas exportações de produtos primários. Foram incorporados também temas como Serviços e Propriedade Intelectual (Alterini, 1995, p.29/31).
Em 1993, a rodada foi encerrada, com a aprovação de seus acordos, na Conferência Ministerial realizada de 12 a 15 de Abril de 1994, em Marrakesh, Marrocos. Assim, o antigo acordo de 1947 foi, finalmente, substituído. Também ficou decidida a criação da Organização Mundial de Comércio (OMC), que entrou em vigor a partir de primeiro de janeiro de 1995 (sede em Genebra) e cujo objetivo será o de aplicar, administrar e fazer funcionar os diversos acordos comerciais em âmbito mundial, além de local para negociações futuras entre os países membros (Ratti, 1997, p.418/419).

A OMC e a Fome

Em nosso planeta, hoje, mais de 800 milhões de pessoas sofrem de fome e mais do dobro padecem de subnutrição. Pelo menos 1.300 milhões de seres humanos lutam para sobreviver com menos de um dólar por dia. Todos os dias, cem mil pessoas morrem de fome e se somarmos as que morrem por epidemias e guerras nos países subdesenvolvidos, a cifra de mortos por causas atribuíveis ao modelo econômico e social de crescimento existente ascende, no ano passado, a mais de 58 milhões. Esta é uma cifra superior de mortos à ocasionada pela II Guerra Mundial durante seis anos (FSM, 2002).
Estão crescendo as desigualdades entre países ricos e pobres e também no interior deles. Hoje, mais de 80 nações têm uma renda per capita inferior a que tinham há uma década atrás. Os 20% mais ricos da população mundial controlam 86% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e 82% das exportações de bens e serviços. Atualmente, 500 Corporações transnacionais produzem aproximadamente 47% do PIB mundial, ocupando 1,59% dos trabalhadores de todo o mundo (FSM, 2002).
Caso as regras que se afiguram na OMC sejam mantidas, o cenário para as nações desprivilegiadas parece que continuará a ser bastante difícil. Esse foi o tom da palestra de Martin Khor, representante da Third World Network (Rede Terceiro Mundo) da Malásia. Para ele, o poder da OMC se sobrepõe ao do FMI, do Banco Mundial e até do G8. Descreve que estamos diante de um “estrangulamento econômico”, sobretudo da África e da América Latina. O sistema de regras, acordos e tratados é muito forte e, caso algum país não os respeite, pode ser levado a julgamento e sofrer sanções comerciais.
Khor acrescenta que esses acordos são “sérios”, ao contrário de outros, que não o são, como os deliberados na Conferência sobre Ecologia Rio/92 e a própria Nações Unidas. Sob o olhar da OMC, o Mercado deve ser “Livre”, mas apenas para as Empresas Fortes. Isto eqüivale a dizer que, para os ricos, são mantidas as velhas práticas protecionistas, que defendem seus alimentos processados, seus produtos agrícolas, sua tecnologia original, seus medicamentos, enfim, suas propriedades intelectuais, enquanto que para os pobres vale o Livre Comércio e a crescente liberalização dos Mercados.
Há um evidente superfaturamento nos valores propostos em relação a remédios, obras de arte, tecnologia, etc. Um bom exemplo é o preço de um tratamento para um paciente de AIDS, avaliado em 12.000 dólares/ano. Quebrado o direito de propriedade intelectual para os fabricantes dos medicamentos, um país como o Brasil, descapitalizado e endividado, com uma epidemia crescente da doença, pode copiar as fórmulas e fabricar seu próprio coquetel a um custo de 300 dólares apenas.
No Caso de uma nação protestar contra a injustiça, pode-se acionar, então, um velho conhecido da maioria dos terceiro-mundistas: O FMI (Fundo Monetário Internacional). Este, obriga, ao fazer acordos relacionados a empréstimos, a liberalização e a aceitação dessas regras. Assim, não há proteção para o mais fraco. Ele deve aceitar o pacote completo, sendo coagido a se submeter a práticas que terminam por enfraquecer sua economia, gerando desemprego e recessão, a importação de artigos industrializados que não podem ser subsidiados dentro de seu território, quebrando suas indústrias. Essas mesmas manufaturas, no entanto, são, justamente produzidas através da concessão de grande quantidade de créditos e subsídios governamentais, em seu país de origem, isto é, sede da grande empresa multinacional.
A área da economia mais subsidiada pelos governos de países do Primeiro Mundo é justamente aquela que sofre o maior corte de verbas na periferia: a agricultura. Passou o Brasil, por exemplo, em meados da década de 90, por uma brutal redução de sua exportação de grãos. Os EUA, entretanto, sabe-se, vêm aumentando desde o início da última década seus incentivos agrícolas. Em detrimento, o mesmo processo ocorrido nas indústrias repete-se no campo: os pequenos produtores sem incentivos não podem competir com os grãos importados que têm preço mais competitivo. Vemos o problema se estendendo a outras áreas: o setor de serviços e mesmo o bancário vêm sendo assumidos por empresas estrangeiras num globalizado processo de terceirização.
A verdade é que a África, a Ásia e a América do Sul são consideradas grandes áreas de investimento para a OMC. Não é permitido que os países aí localizados invistam em si próprios. Nesse sentido, aumentam-se os monopólios, pois as mesmas empresas que lucram no mundo inteiro vão continuar se capitalizando na periferia. Dessa forma o discurso da Entidade que prega a “restrição” do poder e a “diminuição” dos monopólios é falacioso, para não dizer paradoxal aos próprios acordos.

Soberania Alimentar

“Desde 1995, o Acordo da OMC impõe uma liberalização crescente das políticas agrárias e dos intercâmbios de produtos agrícolas. As políticas de subvenções à produção e subsídios às exportações permitem que as empresas transnacionais adquiram produtos a preços muito baixos para vendê-los a preços muito mais altos aos consumidores tanto do Sul como do Norte. Desta maneira, as agriculturas do Norte são favorecidas em detrimento das agriculturas do Sul, e as agriculturas industriais são favorecidas em detrimento das agriculturas familiares” (FSM, 2002).
A crise agrícola pela qual passam os países pobres é fruto das políticas supracitadas, que Paul Nicholson da ONG Mundial Via Campesina chama de “Dumping”: a venda de produtos alimentares com preço inferior à produção. Tal fato inviabiliza a soberania alimentar local, obrigando o país a se submeter aos ditames das multinacionais. É o caso do leite vendido pela metade do preço de custo da Europa para a Índia. No Brasil, com relação ao mesmo item, situação semelhante é sintomática e provoca, constantemente, protestos por parte dos pequenos produtores que ocupam fábricas a fim de exigir que as empresas paguem mais pelo litro produzido. Caso o produtor não possa discutir com o Estado e a iniciativa privada o lucro que viabiliza sua própria subsistência, o que será do consumidor? Fica à mercê do Mercado e isto é o que acontece. O preço do produto vem variando entre 69 centavos e 1 real e 15 centavos nos supermercados.
Nicholson acrescenta que, para nós da periferia, o acesso a mercados é uma falácia, pois não há privilégio ao consumo doméstico. Sem o desenvolvimento de políticas agrárias que facultem a produção alimentar, futuramente comeremos apenas o que a OMC decidir: carne com hormônios e produtos transgênicos. Aliás, exemplifica a destruição de “identidades gastronômicas” com a venda de milho geneticamente modificado dos EUA para o México, curiosamente o país de onde o grão é originário. O representante da Via Campesina argumenta que a situação fora das cidades pode piorar muito e que 70% dos que passam fome vivem em área rural.

Direitos de Patentes

François Houtart, Belga, abriu a Conferência sobre o tema, argumentando que a OMC não deseja, de fato, liberalizar o Comércio, e sim, impedi-lo, através da alta taxação de produtos agrários, farmacêuticos, industriais e de propriedade intelectual e científica produzidos nos países ricos. Quer impedir, também, que os pobres tenham liberdade de comunicação de idéias novas, não podendo desenvolver qualquer espécie de pesquisa e sequer publicá-la em função das patentes.
Michael Bailey, da OXFAN International, ONG inglesa, acrescenta que a lei de reserva intelectual inviabiliza a própria agricultura nos países subdesenvolvidos: o camponês não pode guardar sua colheita para plantar no outro ano porque viola a lei. Pior, seu filho sai da escola porque não pode comprar o livro da editora estrangeira que é muito caro. Não pode usar o computador por causa da falta de dinheiro para adquirir o software. Não pode comprar remédios patenteados e a filha morre de pneumonia.
Segundo Bailey, 90% das Patentes do mundo está na mão de um pequeno número de Corporações. Só uma das grandes empresas, adquiriu/registrou 3.000 no ano passado. Assim, para uma Nação se desenvolver terá que importar uma grande quantidade de produtos. O que não entra em pauta, no entanto é que, para ascender economicamente no século XIX, os EUA, copiavam os Ingleses; no Século XX, o Japão copiou os norte americanos; mas, no século XXI, os pequenos não podem copiar os grandes, sob pena de terem seu crédito cortado. Caso aceitem essas regras, terão financiados “alguns” projetos.
Já Jean-Pierre Barlan da INRA, ONG francesa argumenta que a Diretriz 8494 da União Européia, que estende o Direito de Patentes é contra as leis Francesas, pois atrasam os avanços da ciência. Para ele, a Patente é a aplicação da “Mão Invisível” que protege não mais a concorrência, mas o monopólio, não permitindo o intercâmbio de idéias. Impede a pesquisa agrícola, atentando contra o próprio fundamento do plantio, que é a semeadura. O agricultor não pode semear; não pode vender a sementes, ou pior, elas não germinam, porque o transgênico, por exemplo, é estéril na Segunda geração. Assim, ele compra, a um elevado custo a semente patenteada de uma multinacional; se transforma, portanto, em um mero prestador de serviços. Para Barlan, o “Vivo”, o animal e a planta não são patenteáveis.
A privatização de direitos genéticos fica, cada vez mais na mão de Multinacionais norte- americanas. A própria Indústria Agrária deste país foi construída através de importações de plantas e animais do mundo todo. Thomas Jefferson, no século XVIII, trouxe, da Itália, o arroz, que foi distribuído gratuitamente para todos em seu território. Na verdade, possuem dívida com o mundo inteiro, mas querem obrigar outros países a comprar sementes que, originalmente haviam sido pirateadas de seu próprio território.

Conclusões

O tom geral dos Conferencistas do Fórum foi o de rechaçar as interferências da OMC na área agrícola. A regulação poderia ser feita em uma instância separada, supervisionada pela ONU e que não gerasse conseqüências tão graves para a maioria das nações do mundo, reduzindo o já tão alarmante quadro de pobreza, subnutrição e fome.
Para M. Khor, sob pena de uma grande catástrofe econômica, algumas medidas deveriam ser tomadas. As grandes companhias de alimentos não podem ser subsidiadas e nem o setor de serviços pode pertencer à OMC. Os países terceiro-mundistas precisam proteger-se de manufaturados baratos e os acordos precisam construir um sistema de preços justos para seus produtos que estão muito baratos no mercado mundial.
Já Paul Nicholson defende os preços regionalizados, ou seja, locais e não mundiais, respeitando a biodiversidade, a cultura e a identidade, caracterizando a soberania alimentar como direito universal de todos os povos. Para Jean-Pierre Barlan, a produção dos grãos (plantio) não deveria ser separada da reprodução (venda) dos mesmos e o que é “Vivo” não poderia ser patenteado, evitando-se a transgênia, que além de nociva à saúde, acaba com a principal característica da própria agricultura: a semeadura.
Vicent Garcés (Cerai, Espanha) destacou algumas das principais proposições aprovadas no encontro de Havana sobre Soberania Alimentar. Entre elas, a ratificação do pacto sobre os direitos econômicos, sociais e culturais adotados pela ONU; a adoção junto a essa Entidade de uma convenção mundial de soberania alimentar e bem-estar nutricional, à qual seriam subordinadas as decisões aprovadas nos campos de Comércio Internacional; rejeição de toda interferência da OMC na alimentação, agricultura e pesca; potencialização de uma nova ordem democrática e transparente para regular o comércio internacional, incluindo a criação de um tribunal internacional de apelação independente da OMC; e, por fim, proibição da biopirataria e patente de seres vivos, incluindo o desenvolvimento de variedades estéreis, mediante processo de engenharia genética.
Ainda que necessária para a regulação do Comércio Internacional, a OMC promete manter um desequilíbrio crescente entre as Nações e, caso os mais fracos não se unam para pleitear novas regras, estamos à beira de uma catástrofe ainda maior do que a que estamos vivendo. À Nova Ordem Mundial precisa ser imposto um limite. O Fórum Social Mundial apresentou muitas propostas, sem, no entanto, sugerir como implementá-las. Sabemos das batalhas que as ONGs e Movimentos Sociais desenvolvem em várias partes do Planeta que poderão, eventualmente, criar uma rede com propostas articuladas de forma global.
Portanto, o cenário do mundo na década vindoura poderá ser de agudização dos problemas mundiais, mas bem poderemos assistir a uma crescente luta e conscientização na periferia e dentro das nações mais ricas, a respeito da necessidade de regras comerciais mais justas entre o conjunto e no seio das nações Independentes.

Referências Bibliográficas

ALTERINI, Atilio Aníbal. El Sistema Juridico en Mercosur. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995.

RATTI, Bruno. Comércio Internacional e Câmbio. 9. Ed. São Paulo: Aduaneiras, 1997.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. História do Século XX. Porto Alegre: Novo Século, 1998.

________. Os Dez Anos que Abalaram o Século XX: a política internacional de 1989 a 1999. Porto Alegre: Novo Século, 1999.

Webgrafia

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, 2., 2002, Porto Alegre. Conferências sobre Soberania Alimentar, Fome e Direitos de Patentes. Disponível em: <
http://www.forumsocialmundial.org.br/>. Acesso em 1º mar. 2002.

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