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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Os Beatles e Um Walkman

Ai, nostalgia. Esse texto tem uns 10 anos, but what the fuck...
As primeiras coisas relacionadas à música que me lembro são, invariavelmente ligadas aos Beatles. Foi uma pena eu ter vendido aquele exemplar do Revolver, brasileiro, estéreo, com o selo Odeon amarelo, que estava em bom estado de conservação. Que lástima não poder contar com ele em minha coleção de vinis atual, pois aquele com a assinatura de Flávio David na capa é meu primeiro contato com a arte.
Doutra feita, sem estar acreditando que teria o disco, em um passeio pelo Centro com minha mãe, a atormentei para que “me desse um disco”. Ela foi comigo ao escritório de meu pai, no Banco Iochpe, e, sem que eu esperasse, pediu-lhe “que me desse um disco”. Eu escolhi o Help, porque em uma brincadeira de um dia quente à tarde, na casa do Alexandre Farina, nós pegamos vassouras e acompanhamos toda a reprodução na vitrola da irmã do Ale. Foi a primeira vez que fiz mímica de tocar guitarra, e isso me levou a, entre tantas (e tão altas) pilhas de discos da Renner escolher aquele que tem The Night Before, que o Ale, pequeno, imitava como “Olaipifô”, podes crer.
Ouvimos também o Rock ‘n Roll da K-Tel. Depois, eu acho que em relação a esses meus amigos primeiros, eu evolui muito, sempre ouvi mais música que todos. Tinha fases, é claro, mas transformava, invariavelmente, a música na primeira das artes, desde logo superando o desenho – que foi a primeira. Me metia a ouvir coisa de velhos, Paul Mauriat, Ray Coniff e Frank Pourcel, e o fazia com paixão. Ficava tão treinado o ouvido, o ritmo, a sensação de profundidade, o peso dos graves e a fugacidade elétrica dos agudos. Ouvia os amigos violeiros de meu pai em churrascos de fim de noite tocando de tudo, principalmente sambas clássicos de até os anos setenta, passando por tangos e boleros em Espanhol.
Houve um veraneio em uma casa de madeira na praia de Cidreira em que me aprofundei numa fita do Álbum Branco ouvida à exaustão em um dos primeiros Walkman que se teve notícia, trazido por meu pai de uma viagem a São Paulo. Coitado, o motor dele era fraquinho, era azul a tal máquina e de uma firma desconhecida, Sony. Achei que era uma falsificação barata daquela marca que todos conheciam muito bem, Sanyo. Foi lá por 79, talvez 1980.
Retrocedendo um pouco, quando eu era bem pequenininho, gostava de tocar uma tal de clarineta cuja marca não me recordo. Era vermelha e tinha botões de metal, feita especialmente para crianças com vocação musical como eu exercitar as primeiras noções de escala maior e, ao mesmo tempo, a continuidade de permanecer soprando um instrumento. Tive várias que sempre estragavam suas palhetas porque sou muito babão em instrumentos de sopro. Talvez, por isso tenha escolhido aprender piano, depois violão, depois contrabaixo elétrico, e viva o Paul McCartney.
Quando morei em Curitiba, 1977, comecei a gravar programas de rádio em um daqueles gravadores mono, caixote, com teclado horizontal, lembram? Aqueles que serviam de unidade de transferência de dados para computadores brasileiros na década de oitenta. Pois bem, nos programas eu e meu amigo Claudinei imitávamos, de uma maneira infantilmente empostada, a voz dos locutores da Rádio Guaíba Am de Porto Alegre, que pegava muito bem em nosso rádio Transglobe. Eu adorava um disco de valsa de Billy Vaugham, mas peço aos amigos que não riam de minha excentricidade de criança-em-cadeira-de-rodas-com-nove-anos-e-longe-da-terra-natal.
Que eu me lembre, já inventava cantando esquisitos e incompreensíveis epopéias musicais que só uma criança hiperativa como eu poderia fazer, de fato, penso que não era nada realmente significante, exceto que muitas delas posso ter conservado na cabeça sob forma de neblina que esquenta os pensamentos em certas horas do dia e produz arte, coisas novas. Hoje em dia bem já posso registrar isso tudo qualquer hora, se me lembrar. Cantava com os pés para cima na parede, me imaginava o Frank Sinatra, ou então estava em um programa de entrevistas e era famoso falando sobre minha vida de adulto e poder. Como as crianças são capazes de abstrair realidade que, em primeira hora, não lhes pertence.
Foi um sucesso, em 1980, o filme Saturday Night Fever, com John Travolta e todos queríamos dançar como ele. E, por tabelinha vem o Xanadu com a Olívia Newton John e, em seguida, o Grease. Na casa de minha prima Janine, os adultos iam para o pátio ou para a enorme cozinha tomar café, e tínhamos a sala com aquele som poderoso que ele tinha para podermos dançar à vontade. Fazíamos, mais à noite, exibições de dança para os adultos sentados em filinhas de cadeiras, no escuro, com uma lanterna introduzindo o mise en scene, e éramos da nossa época, pré-adolescentes. Nos anos seguintes foi o tempo das Discotecas, da novela Dancin’ Days (e sua trilha sonora internacional) e da coleção dos discos da New York City Discotheque, tinha Isn´t She Lovely do Stevie Wonder. Papagaio Disco Club, Hippopotamus Disco Club, Patrick Hernandez, Santa Esmeralda, Banana Power, Roberta Kelly, Glória Gaynor, Donna Summer, Village People, Barry White, Earth Wind and Fire, tanta coisa que nos fez requebrar pra caramba. Era a continuidade da androginização dos comportamentos. Agora todos dançavam iguais e separados.
É importante não esquecer que a partir de 1979 comecei a participar de uma Banda Marcial e a ter aulas de Piano, que foram fatos relevantes, mas ficam para uma crônica própria sobre o assunto. O que importa aqui é o desfecho de minha paixão por Beatles fase um, que culmina no dia de meu aniversário, em 1981. Eu já tinha comprado outros discos dos Fab Four, me lembro, principalmente a coletânea azul 1967-1970 que me introduziu à fase psicodélica, I Am The Walrus ... E o véio Flávio me enrolou um mês dizendo que não tinha dinheiro para me dar todos os que faltavam, a maioria, de uma só vez. Me pediu listas de outras bandas cujos discos eram mais baratos, ai, que embromação. Boa tática, pois aprendi com aquela lição o valor inestimável e insubstituível que tem uma surpresa. Puxou, à noite, depois de chegar em casa, de cima do roupeiro que hoje está em meu quarto de casado, duas sacolas da Pop Som contendo uns 15 discos cada uma. Também descobri o poder da catarse, do amor do pai, do que significaram os Beatles, da magia da música naquela noite. Eu que já lera a edição especial sobre o conjunto editada pala Somtrês escrita por Marco Antônio Malagoli, entrei em êxtase ao ver o Sargeant Pepper’s se materializar em minha frente, ele e todos os seus colegas que eu tanto imaginara de olhar para o anúncio da coleção que vinha em capas de papelão que protegiam os discos. Todas aquelas maravilhas, novinhas, cheirando a novas, que momento inesquecível presenciou aquele meu velho Três em Um – que ainda funciona, e bem, hoje em dia.

OMC: Uma Nova Arena Política

Este é um texto que escrevi para o Jornal "Folha da História" há uns 5 Anos atrás. Mas acho que mantém uma certa atualidade. Boa Informação!

A OMC: Uma Nova Arena Política

No discurso dos palestrantes do segundo Fórum Social Mundial, aqueles que representam a resistência à Globalização excludente através da militância em ONG’s e Movimentos Sociais, uma questão foi reincidente, no que tange ao foco das decisões com relação à política internacional: cada vez mais ela passa, diretamente pelo crivo da OMC – Organização Internacional do Comércio. Embora, aparentemente se trate de uma instância de decisões meramente econômicas, os acordos aí firmados servem de matriz para as atitudes que os governos nacionais – tanto os ricos quanto os pobres – irão tomar na próxima década com relação a temas que afetam diretamente a vida dos povos: o Comércio Mundial, a liberdade de Comunicação, a Produção Científica, o Equilíbrio Ambiental, a Soberania Alimentar, as Dívidas Externas, etc.
Este pequeno artigo tem o objetivo de polemizar algumas questões referentes à política desenvolvida no seio dessa nova organização, com relação à Fome no Mundo, à Soberania Alimentar dos Povos e ao Direito de Patentes, temas estes interligados. A intenção é a de contribuir para a o debate de assuntos tão relevantes e que estarão no centro da discussão relacionada à soberania das Nações e, de forma mais genérica, ao novo desenho político e econômico que o mundo assume nesse início de século. A polêmica aqui estabelecida, passa pelas indagações que estiveram em pauta no Fórum Social, que se configuram na fonte discursiva deste texto.

Antecedentes à OMC

Logo após a Crise de 1929, diversas nações se viram forçadas a estabelecer barreiras comerciais protetoras; criaram restrições quantitativas às importações e exportações e severos controles de câmbio. No entanto, em um esforço multinacional para retomar o comércio internacional antes da depressão, foram gestados, pela Conferência de Bretton Woods, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Estava prevista, a criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), cuja finalidade seria a de reduzir obstáculos ao intercâmbio comercial, elaborando códigos de normas comerciais, ajustes para tarifas de cartéis internacionais de produtos primários, se transformando em um instrumento internacional de ação no desenvolvimento das trocas (Ratti, 1997, p.416/417).
As primeiras negociações para a implantação de uma Instituição internacional, ocorreram em Genebra, no ano de 1947. Um Comitê Preliminar preparava a Carta da OIC a fim de estabelecer Concessões Aduaneiras, que resultaram em um acordo Multilateral de Comércio, conhecido como Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade – GATT), que entrou em vigor no dia primeiro de janeiro de 1948. Já em 1950, tornou-se óbvio que a carta não poderia ser aceita por muitos países, como os EUA, que através da Carta de Havana, se recusaram a ratificar o documento, posto que tal ameaçava suas Reservas de Mercado (Ratti, 1997, p.417).
O GATT, apesar dos protestos e, antes da criação da OMC, passou a ser o único instrumento norteador do comércio internacional, não se constituindo propriamente em um organismo, mas em um Acordo, do qual faziam parte Partes Contratantes (países interessados). Circunstancialmente, os participantes promoviam negociações multilaterais, as “rodadas” ou “rounds”, nos quais estabeleciam reduções tarifárias e discutiam outros assuntos relacionados a trocas internacionais. Um dos objetivos expressos do acordo era o de eliminar o tratamento discriminatório no comércio internacional, não proibindo a formação de Blocos Econômicos (eventualmente até incentivados), cujo objetivo fosse a remoção de tarifas e outras barreiras ao comércio entre os países participantes formando Zonas de Livre Comércio (Ratti, 1997, p.417/418).
A rodada mais recente de discussões ocorreu no Uruguai, a partir de 1986 e pode ser considerada a mais ambiciosa das negociações multilaterais desenvolvidas até então, incorporando todo o comércio de bens e temas novos, envolvendo cifras multimilionárias. Basicamente, em termos gerais, o cenário mundial nos anos 80 já parecia afigurar uma redução brutal das tarifas aduaneiras de produtos industriais (de 40% nos anos 50, para 4,7%, em média). Mas o grande tropeço, ocorreu na área agrícola (e têxteis, ao prazo de dez anos), afetando diretamente os países em desenvolvimento que ficavam praticamente impedidos de subvencionar suas exportações de produtos primários. Foram incorporados também temas como Serviços e Propriedade Intelectual (Alterini, 1995, p.29/31).
Em 1993, a rodada foi encerrada, com a aprovação de seus acordos, na Conferência Ministerial realizada de 12 a 15 de Abril de 1994, em Marrakesh, Marrocos. Assim, o antigo acordo de 1947 foi, finalmente, substituído. Também ficou decidida a criação da Organização Mundial de Comércio (OMC), que entrou em vigor a partir de primeiro de janeiro de 1995 (sede em Genebra) e cujo objetivo será o de aplicar, administrar e fazer funcionar os diversos acordos comerciais em âmbito mundial, além de local para negociações futuras entre os países membros (Ratti, 1997, p.418/419).

A OMC e a Fome

Em nosso planeta, hoje, mais de 800 milhões de pessoas sofrem de fome e mais do dobro padecem de subnutrição. Pelo menos 1.300 milhões de seres humanos lutam para sobreviver com menos de um dólar por dia. Todos os dias, cem mil pessoas morrem de fome e se somarmos as que morrem por epidemias e guerras nos países subdesenvolvidos, a cifra de mortos por causas atribuíveis ao modelo econômico e social de crescimento existente ascende, no ano passado, a mais de 58 milhões. Esta é uma cifra superior de mortos à ocasionada pela II Guerra Mundial durante seis anos (FSM, 2002).
Estão crescendo as desigualdades entre países ricos e pobres e também no interior deles. Hoje, mais de 80 nações têm uma renda per capita inferior a que tinham há uma década atrás. Os 20% mais ricos da população mundial controlam 86% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e 82% das exportações de bens e serviços. Atualmente, 500 Corporações transnacionais produzem aproximadamente 47% do PIB mundial, ocupando 1,59% dos trabalhadores de todo o mundo (FSM, 2002).
Caso as regras que se afiguram na OMC sejam mantidas, o cenário para as nações desprivilegiadas parece que continuará a ser bastante difícil. Esse foi o tom da palestra de Martin Khor, representante da Third World Network (Rede Terceiro Mundo) da Malásia. Para ele, o poder da OMC se sobrepõe ao do FMI, do Banco Mundial e até do G8. Descreve que estamos diante de um “estrangulamento econômico”, sobretudo da África e da América Latina. O sistema de regras, acordos e tratados é muito forte e, caso algum país não os respeite, pode ser levado a julgamento e sofrer sanções comerciais.
Khor acrescenta que esses acordos são “sérios”, ao contrário de outros, que não o são, como os deliberados na Conferência sobre Ecologia Rio/92 e a própria Nações Unidas. Sob o olhar da OMC, o Mercado deve ser “Livre”, mas apenas para as Empresas Fortes. Isto eqüivale a dizer que, para os ricos, são mantidas as velhas práticas protecionistas, que defendem seus alimentos processados, seus produtos agrícolas, sua tecnologia original, seus medicamentos, enfim, suas propriedades intelectuais, enquanto que para os pobres vale o Livre Comércio e a crescente liberalização dos Mercados.
Há um evidente superfaturamento nos valores propostos em relação a remédios, obras de arte, tecnologia, etc. Um bom exemplo é o preço de um tratamento para um paciente de AIDS, avaliado em 12.000 dólares/ano. Quebrado o direito de propriedade intelectual para os fabricantes dos medicamentos, um país como o Brasil, descapitalizado e endividado, com uma epidemia crescente da doença, pode copiar as fórmulas e fabricar seu próprio coquetel a um custo de 300 dólares apenas.
No Caso de uma nação protestar contra a injustiça, pode-se acionar, então, um velho conhecido da maioria dos terceiro-mundistas: O FMI (Fundo Monetário Internacional). Este, obriga, ao fazer acordos relacionados a empréstimos, a liberalização e a aceitação dessas regras. Assim, não há proteção para o mais fraco. Ele deve aceitar o pacote completo, sendo coagido a se submeter a práticas que terminam por enfraquecer sua economia, gerando desemprego e recessão, a importação de artigos industrializados que não podem ser subsidiados dentro de seu território, quebrando suas indústrias. Essas mesmas manufaturas, no entanto, são, justamente produzidas através da concessão de grande quantidade de créditos e subsídios governamentais, em seu país de origem, isto é, sede da grande empresa multinacional.
A área da economia mais subsidiada pelos governos de países do Primeiro Mundo é justamente aquela que sofre o maior corte de verbas na periferia: a agricultura. Passou o Brasil, por exemplo, em meados da década de 90, por uma brutal redução de sua exportação de grãos. Os EUA, entretanto, sabe-se, vêm aumentando desde o início da última década seus incentivos agrícolas. Em detrimento, o mesmo processo ocorrido nas indústrias repete-se no campo: os pequenos produtores sem incentivos não podem competir com os grãos importados que têm preço mais competitivo. Vemos o problema se estendendo a outras áreas: o setor de serviços e mesmo o bancário vêm sendo assumidos por empresas estrangeiras num globalizado processo de terceirização.
A verdade é que a África, a Ásia e a América do Sul são consideradas grandes áreas de investimento para a OMC. Não é permitido que os países aí localizados invistam em si próprios. Nesse sentido, aumentam-se os monopólios, pois as mesmas empresas que lucram no mundo inteiro vão continuar se capitalizando na periferia. Dessa forma o discurso da Entidade que prega a “restrição” do poder e a “diminuição” dos monopólios é falacioso, para não dizer paradoxal aos próprios acordos.

Soberania Alimentar

“Desde 1995, o Acordo da OMC impõe uma liberalização crescente das políticas agrárias e dos intercâmbios de produtos agrícolas. As políticas de subvenções à produção e subsídios às exportações permitem que as empresas transnacionais adquiram produtos a preços muito baixos para vendê-los a preços muito mais altos aos consumidores tanto do Sul como do Norte. Desta maneira, as agriculturas do Norte são favorecidas em detrimento das agriculturas do Sul, e as agriculturas industriais são favorecidas em detrimento das agriculturas familiares” (FSM, 2002).
A crise agrícola pela qual passam os países pobres é fruto das políticas supracitadas, que Paul Nicholson da ONG Mundial Via Campesina chama de “Dumping”: a venda de produtos alimentares com preço inferior à produção. Tal fato inviabiliza a soberania alimentar local, obrigando o país a se submeter aos ditames das multinacionais. É o caso do leite vendido pela metade do preço de custo da Europa para a Índia. No Brasil, com relação ao mesmo item, situação semelhante é sintomática e provoca, constantemente, protestos por parte dos pequenos produtores que ocupam fábricas a fim de exigir que as empresas paguem mais pelo litro produzido. Caso o produtor não possa discutir com o Estado e a iniciativa privada o lucro que viabiliza sua própria subsistência, o que será do consumidor? Fica à mercê do Mercado e isto é o que acontece. O preço do produto vem variando entre 69 centavos e 1 real e 15 centavos nos supermercados.
Nicholson acrescenta que, para nós da periferia, o acesso a mercados é uma falácia, pois não há privilégio ao consumo doméstico. Sem o desenvolvimento de políticas agrárias que facultem a produção alimentar, futuramente comeremos apenas o que a OMC decidir: carne com hormônios e produtos transgênicos. Aliás, exemplifica a destruição de “identidades gastronômicas” com a venda de milho geneticamente modificado dos EUA para o México, curiosamente o país de onde o grão é originário. O representante da Via Campesina argumenta que a situação fora das cidades pode piorar muito e que 70% dos que passam fome vivem em área rural.

Direitos de Patentes

François Houtart, Belga, abriu a Conferência sobre o tema, argumentando que a OMC não deseja, de fato, liberalizar o Comércio, e sim, impedi-lo, através da alta taxação de produtos agrários, farmacêuticos, industriais e de propriedade intelectual e científica produzidos nos países ricos. Quer impedir, também, que os pobres tenham liberdade de comunicação de idéias novas, não podendo desenvolver qualquer espécie de pesquisa e sequer publicá-la em função das patentes.
Michael Bailey, da OXFAN International, ONG inglesa, acrescenta que a lei de reserva intelectual inviabiliza a própria agricultura nos países subdesenvolvidos: o camponês não pode guardar sua colheita para plantar no outro ano porque viola a lei. Pior, seu filho sai da escola porque não pode comprar o livro da editora estrangeira que é muito caro. Não pode usar o computador por causa da falta de dinheiro para adquirir o software. Não pode comprar remédios patenteados e a filha morre de pneumonia.
Segundo Bailey, 90% das Patentes do mundo está na mão de um pequeno número de Corporações. Só uma das grandes empresas, adquiriu/registrou 3.000 no ano passado. Assim, para uma Nação se desenvolver terá que importar uma grande quantidade de produtos. O que não entra em pauta, no entanto é que, para ascender economicamente no século XIX, os EUA, copiavam os Ingleses; no Século XX, o Japão copiou os norte americanos; mas, no século XXI, os pequenos não podem copiar os grandes, sob pena de terem seu crédito cortado. Caso aceitem essas regras, terão financiados “alguns” projetos.
Já Jean-Pierre Barlan da INRA, ONG francesa argumenta que a Diretriz 8494 da União Européia, que estende o Direito de Patentes é contra as leis Francesas, pois atrasam os avanços da ciência. Para ele, a Patente é a aplicação da “Mão Invisível” que protege não mais a concorrência, mas o monopólio, não permitindo o intercâmbio de idéias. Impede a pesquisa agrícola, atentando contra o próprio fundamento do plantio, que é a semeadura. O agricultor não pode semear; não pode vender a sementes, ou pior, elas não germinam, porque o transgênico, por exemplo, é estéril na Segunda geração. Assim, ele compra, a um elevado custo a semente patenteada de uma multinacional; se transforma, portanto, em um mero prestador de serviços. Para Barlan, o “Vivo”, o animal e a planta não são patenteáveis.
A privatização de direitos genéticos fica, cada vez mais na mão de Multinacionais norte- americanas. A própria Indústria Agrária deste país foi construída através de importações de plantas e animais do mundo todo. Thomas Jefferson, no século XVIII, trouxe, da Itália, o arroz, que foi distribuído gratuitamente para todos em seu território. Na verdade, possuem dívida com o mundo inteiro, mas querem obrigar outros países a comprar sementes que, originalmente haviam sido pirateadas de seu próprio território.

Conclusões

O tom geral dos Conferencistas do Fórum foi o de rechaçar as interferências da OMC na área agrícola. A regulação poderia ser feita em uma instância separada, supervisionada pela ONU e que não gerasse conseqüências tão graves para a maioria das nações do mundo, reduzindo o já tão alarmante quadro de pobreza, subnutrição e fome.
Para M. Khor, sob pena de uma grande catástrofe econômica, algumas medidas deveriam ser tomadas. As grandes companhias de alimentos não podem ser subsidiadas e nem o setor de serviços pode pertencer à OMC. Os países terceiro-mundistas precisam proteger-se de manufaturados baratos e os acordos precisam construir um sistema de preços justos para seus produtos que estão muito baratos no mercado mundial.
Já Paul Nicholson defende os preços regionalizados, ou seja, locais e não mundiais, respeitando a biodiversidade, a cultura e a identidade, caracterizando a soberania alimentar como direito universal de todos os povos. Para Jean-Pierre Barlan, a produção dos grãos (plantio) não deveria ser separada da reprodução (venda) dos mesmos e o que é “Vivo” não poderia ser patenteado, evitando-se a transgênia, que além de nociva à saúde, acaba com a principal característica da própria agricultura: a semeadura.
Vicent Garcés (Cerai, Espanha) destacou algumas das principais proposições aprovadas no encontro de Havana sobre Soberania Alimentar. Entre elas, a ratificação do pacto sobre os direitos econômicos, sociais e culturais adotados pela ONU; a adoção junto a essa Entidade de uma convenção mundial de soberania alimentar e bem-estar nutricional, à qual seriam subordinadas as decisões aprovadas nos campos de Comércio Internacional; rejeição de toda interferência da OMC na alimentação, agricultura e pesca; potencialização de uma nova ordem democrática e transparente para regular o comércio internacional, incluindo a criação de um tribunal internacional de apelação independente da OMC; e, por fim, proibição da biopirataria e patente de seres vivos, incluindo o desenvolvimento de variedades estéreis, mediante processo de engenharia genética.
Ainda que necessária para a regulação do Comércio Internacional, a OMC promete manter um desequilíbrio crescente entre as Nações e, caso os mais fracos não se unam para pleitear novas regras, estamos à beira de uma catástrofe ainda maior do que a que estamos vivendo. À Nova Ordem Mundial precisa ser imposto um limite. O Fórum Social Mundial apresentou muitas propostas, sem, no entanto, sugerir como implementá-las. Sabemos das batalhas que as ONGs e Movimentos Sociais desenvolvem em várias partes do Planeta que poderão, eventualmente, criar uma rede com propostas articuladas de forma global.
Portanto, o cenário do mundo na década vindoura poderá ser de agudização dos problemas mundiais, mas bem poderemos assistir a uma crescente luta e conscientização na periferia e dentro das nações mais ricas, a respeito da necessidade de regras comerciais mais justas entre o conjunto e no seio das nações Independentes.

Referências Bibliográficas

ALTERINI, Atilio Aníbal. El Sistema Juridico en Mercosur. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995.

RATTI, Bruno. Comércio Internacional e Câmbio. 9. Ed. São Paulo: Aduaneiras, 1997.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. História do Século XX. Porto Alegre: Novo Século, 1998.

________. Os Dez Anos que Abalaram o Século XX: a política internacional de 1989 a 1999. Porto Alegre: Novo Século, 1999.

Webgrafia

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, 2., 2002, Porto Alegre. Conferências sobre Soberania Alimentar, Fome e Direitos de Patentes. Disponível em: <
http://www.forumsocialmundial.org.br/>. Acesso em 1º mar. 2002.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Discurso de Formatura 1

Acredito que o que todos esperam de um pequeno discurso na formatura é que ele contenha agradecimentos, mensagens de esperança e sabedoria e muita emoção. Confesso minhas dificuldades com coisas desse tipo, tão convencionais, afinal não me considero uma pessoa nada convencional, na verdade quem me conhece sabe que eu sou bastante excêntrico.
Sendo assim não vou elogiar desmesuradamente meus alunos aqui presentes. Vou apenas dizer que amo todos eles, do fundo do meu coração, que jamais os esquecerei, que espero que não me esqueçam e que sejamos, para sempre, amigos. Fiquei muito emocionado de mais uma vez estar aqui na cerimônia de formatura , tendo a oportunidade de falar para tão significativa comunidade.
Sinto-me, porém, na obrigação de dizer alguma coisa, colocar idéias que representem, de alguma forma, o ano que passou, e que também falem um pouco de tudo isso que acontece no processo educacional brasileiro, que, afinal, é nosso “feijão com arroz”, o que nos une aqui hoje e nos uniu durante a caminhada destes jovens. Se for dizer o que penso, e me sinto obrigado a isso, talvez não agrade a muitos, mas devo ser coerente com o que venho fazendo em contribuição a esse processo.
Não gosto nem um pouco do que tenho visto em meus 10 anos de experiência como professor de ensinos médio e fundamental. Portanto, as críticas que aqui farei devem também ser encaradas como uma “espécie de mensagem de esperança” pois poderiam ser, para alguém mais atento, um ponto de partida para uma reflexão aprofundada que, como conseqüência, gerasse uma ação efetiva orientada para a mudança que é, a meu ver, absolutamente necessária.
Primeiro, não devemos colocar a culpa de tudo o que acontece de errado no mundo em nossos jovens. Os nossos jovens deveriam ser nosso norte, nossa direção e expectativa, deveríamos aprender com eles, tentar compreender com seus olhos o mundo que será em breve, só deles, aprender a ensiná-los, aplicarmos ao processo educacional sua pureza, esperança, energia, dando-lhes nossa experiência renovada por sua juventude. Mas não é isso que temos feito. Cansados, combalidos, humilhados, vítimas que somos, damo-lhes, muitas vezes, o pior de nós, nosso ranço, nossos recalques, nosso mundos velhos, prontos e petrificados, e, em troca, recebemos deles o pior. Os atacamos com nosso poder opressivo e os atiramos a paredes, tentando enfiar goela abaixo verdades que eles não precisam e não lhes servem. Esquecemos a emoção que seria receber sua aura límpida, seus hormônios abençoados de novidade e desejo de transformação, e nos contentamos com cruzes em modelos surrados e mortos de pensamento, ao invés de termos palavras com vida, emoção e desejo.
Segundo, esquecemos a arte. Não apenas a arte como forma de conhecimento, mas a arte que é viver, a qual deveria ser o objetivo de nossa escola. Deveríamos produzir pensadores, músicos, arquitetos de renome internacional, teatrólogos, filósofos e intelectuais capazes de transformar o mundo, que, nem preciso dizer, está se destruindo. Mas o que fazemos, apenas, é prepará-los para cair nesse mundo, reproduzi-lo, ter dinheiro, viver como os outros, todos iguais, e morrer esquecidos, sem esquecer, é claro, de coagi-los a espalhar entre as gerações a mesma maldição de mediocridade e indistinção, de falta de originalidade, de robô repetidor, de não-criador, de não humano.
Não, senhores pais, não é para isto que estamos aqui, definitivamente. Para isto, eu não estou aqui e posso, devo convencê-los do mesmo. Mas para que possamos ter jovens criativos que possam transformar o mundo, precisamos de vocês, jovens pais. Vocês precisam se educar para educá-los, afinal a principal instância de formação, sem sombra de dúvida é a família. Não deleguem a terceiros a formação deles. Agora, também não lhes tolham a liberdade de fazerem suas próprias opções.
Também sou pai, estou cansado de trabalhar tanto, às vezes não tenho nem ânimo pra conversar com minha filha, mas converso, nem que seja no limite de minha energia. Quando olho para ela não vejo um ser diferente, demandador e desinteressante, nem tampouco projeto nela algo que eu não fui e queria ter sido, isto é um erro. Eu vejo ali uma luz, algo diferente, novo e surpreendente que nunca faz o que eu espero exatamente, que pode ser o espelho do mundo de amanhã. Estamos diante de deliciosos “MUTANTES”, cheios de novos poderes que sequer compreendemos, X-Men que atravessam paredes, voam e até lêem pensamentos. Por isso não vamos lhes presentear apenas com coisinhas fúteis e da moda, não vamos encher seus ouvidos e espíritos com esse lixo que toca no rádio, que é escrito na mídia e é passado no cinema. Dêem a seus pupilos “Conteúdo”, “Substrato” de verdade. Não entupam eles apenas com informações inúteis, com as quais nós mesmos fomos entupidos um dia. Dêem-lhes ARTE capaz de projetar em suas mentes coisas novas, sensações renovadas de realidade futura, fresca, pura, indestrutível e não-consumível.
Em Terceiro lugar, e, por fim, para educar, lutemos. Lutemos juntos, vamos sair do nosso cantinho, da nossa materiazinha, da nossa funçãozinha determinada pela sociedade industrial despersonalizada compartimentada, bancária porque tudo é vendido, e vamos construir, dentro da educação, uma coisa nova, mais bonita e que cause menos sofrimento a todos. Aprender, pelo amor de deus, não é sofrer, muito antes pelo contrário, aprender é, tem que ser, brincar. Brincar de ser inteligente, brincar de criar coisas novas, brincar de reler as velhas, brincar de sermos amigos e fazer as coisas juntos, brincar de aceitar as diferenças, brincar de não se achar superior, brincar de gostar de ensinar, brincar de gostar de aprender com o outro, brincar de conversar.
E jamais se esqueçam todos que a fase em que aprendemos mais, com mais facilidade em nossas vidas foi aquela em que éramos simplesmente crianças.

Não Dá, Não Aguento Mais!

É impossível suportar essa rotina. Pra que tudo isso? Tudo isso pra quê? Acham que eu sou o quê pra suportar o insuportável? Onde querem que eu vá parar? Onde vão me mandar pra trabalhar? Tudo que há, a culpa é sempre minha. Se eu esqueci isso, apesar da minha rotina insuportável e da falta de amor, por parte deles, inclusive, a culpa é minha. Se eu lembro de perguntar por que eu não entendi e quero saber, a culpa é minha. Se eu não concordo com o que me disseram, a culpa é minha. Se eu não concordo com o método, a culpa é minha. Se eu sou assim e não assado porque não deixam, a culpa é minha. É tudo minha culpa mesmo.
Para onde vamos, para onde vou, que barco é esse, qual nosso “conteúdo”? Queremos ir à Universidade, esse é o fim? Será que queremos mesmo? É lá que é bom? O que é lá se aqui não nos informam e não temos a menor idéia? Eu vou sair daqui, não sei quando, e vou ir para um lugar, para o qual eles dizem que devo ir, só que eu, o mais interessado nem bem sei como é! É um jogo de cabra-cega, só que aqui todos são cegos.
Cheguei aqui sem saber e vou sair sabendo menos, pois ninguém me perguntou o que eu queria saber, como eu queria aprender. Nem sabiam como eu aprendia ou o que eu sabia, porque todo mundo sabe alguma coisa. Eu sei. Eu sei que eu sei de alguma coisa. Eu vi e vejo isto. Mas ninguém quis saber de mim. Só despejam seu conteúdo em cima de mim. Me soterram dia a dia com coisas que, na minha vida, não fazem o menor sentido. Mas ninguém, ou quase ninguém, pra não ser injusto, perguntou sobre a minha vida. Minha vida, que eu sempre dividi com todos, só não interessa aqui. Aqui sou só um número, pequeno, grande, sem personalidade, sem eu mesmo. Sou um numerozinho e é só.
Eu até tento, tento mesmo. Não vou dizer que não haja gentes e coisas interessantes aqui. Claro que há. Tem muitos colegas bons e com eles eu me divirto. Longas discussões acaloradas, cheias de conteúdo, sentimentos e emoções. Há algum amor, amizade, compaixão e companheirismo. Bondade e dedicação de minha parte a eles não faltou. Em nenhum momento os abandonei. Se os deixei sós foi porque havia abandonado a mim mesmo com isso tudo acontecendo. Deles também, de alguns, tive muito. Para estes tudo. Para o todo, nada. O resto não merece.
Será que isso um dia vai mudar? Acho que eu não vou ver, não vou querer ver não. Pra quê? De mim eu sei, mas eles sabem? Não acredito. Só sabem deles. Querem que eu goste do que eles gostam, que entenda como eles entendem, afinal, dizem, sabem o que é certo, a verdade, o que nos serve. Nunca quiseram saber o que eu sei, porque acham que não sei nada. Querem me convencer que eu não sei nada, que só serve o que eles sabem e que devo aprender o que eles aprendem do jeito que acham que devo aprender.
Mas eu tenho uma coisa pra lhes ensinar que eles nem sabem que vão aprender nem que não queiram. O Futuro é meu. E mesmo que eles não queiram, nem que demore gerações não querendo, uma coisa é certa: isto tudo vai acabar. Porque não há vida que não se espelhe no verdadeiro conhecimento, aquele que mantém as pessoas respirando, comendo, dormindo. E este é mais forte do que a própria vida. O verdadeiro conhecimento não se ensina, cada homem toma, rouba o que merece. E se eles querem morrer sem saber, não sou eu quem vai lhes ensinar.

CUTUCA-A-CERTEZA 1

Criei este Blog com o objetivo de compartilhar minha vida artística, intelectual e cultural com vocês (quem quer que sejam). Sou um Professor, Músico, Escritor, Jornalista e Cientista Político cheio de vida interior, idéias, apaixonado por música, cinema e literatura. Até.